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Economia do cuidado: o trabalho invisível da mulher que precisa ganhar visibilidade

Por trás do funcionamento das famílias e da sociedade existe um amplo universo de trabalho essencial que, mesmo imprescindível, permanece invisível e desvalorizado: o trabalho de cuidado não remunerado. A chamada “economia do cuidado” envolve uma ampla quantidade de atividades vitais, desde a  manutenção do lar até o cuidado de filhos, idosos, doentes e outros familiares. 

Apesar de seu papel fundamental, este trabalho recai de forma desproporcional sobre as mulheres e raramente se traduz em valorização ou remuneração justa. Essa disparidade na distribuição do trabalho de cuidado, inclusive, é um dos maiores desafios para a equidade de gênero na sociedade atual. Globalmente, as mulheres são responsáveis por mais de três quartos do trabalho de cuidado não remunerado, dedicando 12,5 bilhões de horas diariamente, segundo dados da Oxfam. 

No Brasil, a diferença entre a dedicação de mulheres e homens impressiona: mulheres chegam a dedicar até 25 horas por semana a atividades domésticas e cuidados, enquanto homens dedicam aproximadamente 11 horas. Mesmo em países com maior igualdade de gênero, a diferença persiste. 

Além da quantidade de tempo, há uma distinção no tipo de atividades. Mulheres tendem a realizar tarefas diárias como cozinhar, limpar e lavar roupa, enquanto homens frequentemente lidam com atividades menos frequentes, como reparos na residência ou corte de grama, por exemplo.

A economia do cuidado vivenciada na prática 

Isabel Fernandes, gerente jurídica da MobiBrasil, é uma das milhares de mulheres que estão por trás da economia do cuidado. Já exercia esse papel cuidando do filho de 18 anos e do marido, mas há dois anos e meio passou a cuidar diariamente da mãe, de 81 anos, ao trazê-la para residir em sua casa, em São Paulo.Uma queda sofrida pela mãe, que na época ainda residia sozinha, também em São Paulo, foi o alerta e terminou por antecipar o processo de convivência. Desde então, Isabel sente na pele como ninguém o quanto a mulher precisa se superar diariamente para conseguir crescer profissionalmente enquanto luta para dar visibilidade ao trabalho de cuidar – um gesto ainda predominantemente feminino.“De uma hora para outra, eu virei a mãe da minha mãe. Mas cuidar dela tem sido uma das experiências mais profundas e transformadoras da minha vida”, resume a advogada, ressaltando que o cuidar é um exercício diário de amor, paciência e presença.

“Nesse exercício diário de amor, paciência e presença, aprendi a escutar com mais empatia, a respeitar o tempo do outro e a acolher as fragilidades com firmeza e delicadeza. Isso tem me tornado não apenas uma pessoa melhor, mas também uma profissional mais sensível, atenta e humana — alguém capaz de enxergar além das tarefas e compreender o valor das relações”, afirma.“A economia do cuidado nos lembra que o trabalho de cuidar — de idosos, crianças, doentes e do lar — movimenta a sociedade, embora muitas vezes seja invisível”, reforça a gerente jurídica da MobiBrasil. 

Quando cuidar é oportunidade única

Isabel Fernandes ressalta que o gesto de cuidar da mãe se transformou numa oportunidade única em sua vida. “Hoje, em nossa casa, convivem três gerações: minha mãe, eu e meu filho. É como viver entre o passado, o presente e o futuro, aprendendo com cada etapa da vida. Nesse convívio, reconheço minha ancestralidade e percebo que tudo o que sou carrega a força silenciosa das mulheres que vieram antes de mim — e que agora me cabe honrar e transmitir”, ensina.

Um gigante econômico subestimado

Apesar de ser essencial para o bom funcionamento das famílias, o trabalho “invisível” não tem influência direta no PIB ou em outras medidas econômicas tradicionais. No entanto, seu valor potencial é estimado em trilhões de dólares. 

Segundo reportagem da revista Forbes, se as mulheres em todo o mundo fossem remuneradas com um salário mínimo por este trabalho, teriam contribuído com aproximadamente US$ 10,9 trilhões para a economia global em 2020. Este valor supera o dobro da indústria global de tecnologia no mesmo ano. 

No Brasil, um estudo da FGV aponta que a economia doméstica e de cuidado acrescentaria 13% ao PIB do País. Nos Estados Unidos, esse valor potencial atingiria cerca de US$ 1,5 trilhão em 2019, segundo a Forbes.

Sobrecarga desafia o crescimento profissional da mulher

Pesquisas mostram que essa rede de cuidados não só sustenta famílias e a sociedade, mas também impulsiona setores relacionados, como creches, asilos e serviços de limpeza. No entanto, a grande carga de trabalho não remunerado é um impedimento significativo para a participação plena das mulheres na força de trabalho remunerada, apesar de sua presença no mercado de trabalho impulsionar a produtividade e a igualdade de rendimentos. 

A desvalorização desse trabalho é provocada pela naturalização do papel da mulher como cuidadora, transformando uma responsabilidade essencial e que deveria ser dividida com toda a sociedade em um “dom” ou “amor” inato, e não em trabalho que exige tempo, esforço e habilidades.

Mulheres sentem o impacto na saúde e bem-estar

As extensas responsabilidades de cuidado estão associadas a sérios impactos na saúde das mulheres. Níveis mais elevados de insatisfação financeira e profissional são comuns. A saúde mental é particularmente afetada, com riscos de sofrimento psicológico e emocional, incluindo ansiedade, depressão, esgotamento, sentimentos de desvalorização, isolamento e aumento dos níveis de estresse. A saúde física também é prejudicada, com riscos associados a longos períodos em pé ou carregando peso.

A pesquisa “Esgotadas”, da ONG Think Olga, revelou que 22% das mulheres estavam sobrecarregadas com o trabalho doméstico. Mulheres de 36 a 55 anos e mulheres pretas e pardas carregam uma carga maior de cuidado. Um dado preocupante é que 1 em cada 4 mulheres cuidadoras reportou estar insatisfeita ou extremamente insatisfeita com sua saúde emocional. 

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