Inovação e pioneirismo no transporte público: MobiBrasil ganha destaque na Technibus

A vice-presidente do Grupo MobiBrasil, Niege Chaves, foi destaque da edição de julho/agosto da Revista Technibus, referência nacional na cobertura jornalística do transporte público. Na entrevista, a empresária fala sobre os desafios diários do setor e cobra um olhar mais atento do Brasil para o transporte público como solução coletiva. Confira:
NIEGE CHAVES: INOVAÇÃO E PIONEIRISMO
Presidente do Conselho do grupo MobiBrasil, que reúne empresas de transporte público de passageiros com operações no Recife, em São Paulo e no BRT Sorocaba, com atuação na gestão de terminais, e sócia-fundadora do Cittamobi — aplicativo de soluções tecnológicas para a mobilidade — e da Primova, empresa de inovação em transporte, a empresária Niege Chaves concedeu entrevista exclusiva à Technibus, na qual conta um pouco de sua trajetória e aborda as grandes questões relativas ao transporte público e à mobilidade.
TECHNIBUS – Como você começou a atuar no setor de transporte coletivo? Conte- -nos um pouco sobre a sua trajetória profissional.
Niege Chaves – Na verdade, comecei a trabalhar no setor de transporte em fevereiro de 1992. Fiquei seis meses fazendo estágio na empresa do meu tio, a Metropolitana. Fui lá para tentar entender o que era transporte público. Meu pai falava “você não vai gostar disso”, mas eu me apaixonei. Acho que é um negócio que não tem rotina, então todo dia é uma novidade: um dia batemos recorde de passageiro, um dia tem acidente, um dia há greve, um dia está chovendo. Todo dia a gente tem alguma coisa diferente para fazer.
E esse trabalho tem um impacto muito grande na vida das pessoas. Sou muito comunicativa e, então, comecei pela operação e sempre tive uma relação próxima com os funcionários. E também com a comunidade. Pedi uma chance para o meu pai e, em 1º de agosto em 1992, comecei a trabalhar com ele e nunca mais parei. Na época, a gente tinha 140 ônibus e operava no Recife, São Lourenço e Camaragibe (PE).
Esse começo foi muito importante para eu aprender, assim como foi importante a confiança que minha família teve em mim, porque não conhecia nada de ônibus. Então, comecei como estagiária e passei por todas as áreas, o que levou quase dois anos. Depois, fui promovida para a assessoria da diretoria. E, em quatro anos, fui promovida para ser diretora-executiva da operação de Pernambuco. Essa foi minha trajetória.
Tenho o privilégio de fazer o que amo, então digo que saio para trabalhar e para me divertir. Dou muita risada no meu trabalho, me estresso demais também, mas, ao mesmo tempo, é gratificante ver como as coisas evoluíram. Sempre falo que todas as vitórias devem ser comemoradas, porque é uma trajetória complexa nesse negócio de ônibus.
É muito difícil, é muito solitário. Porque nós, os empresários, temos praticamente todos contra nós: o automóvel reclama, o motoqueiro reclama, o passageiro reclama, o governo reclama. E a gente tentando cada dia fazer o transporte um pouco melhor. Tem muitos desafios e muitos que não dependem de nós. Eu falo sempre que a gente tem a obrigação de resolver o que acontece na garagem. Do portão para fora, a gente tem obrigação de lutar.

TECHNIBUS – E como você vê a evolução do transporte desde os anos 1990 até agora? Muita coisa mudou?
Niege Chaves – Nossa, eu brinco dizendo que sou da época do motor dianteiro, do banco de fibra e de quando a gente batia na lateral do ônibus para chamar o passageiro. Então, faz muito tempo. Naquela época, havia gente viajando pendurada na porta em Recife. Acho que o transporte evoluiu muito. A gente hoje tem ar-condicionado nos ônibus, tem banco acolchoado, ponto coberto, wi-fi.
Há o aplicativo que informa o horário que o ônibus vai passar. E essa era uma queixa enorme nas pesquisas que a gente fazia. O passageiro reclamava, porque não sabia que horas o ônibus passava e tinha que ficar esperando no ponto, antes dos aplicativos. Tenho muito orgulho de fazer parte desse projeto, pois o Cittamobi foi o primeiro aplicativo brasileiro para essa finalidade, aberto e funcionando em todas as cidades. Hoje existem outras ferramentas que também informam, há um leque de opções para obter a informação e planejar melhor sua viagem.
E não só horário, mas inclusive planejar sua rota, integrar com o metrô, com a bicicleta compartilhável, escolhendo qual a forma mais eficiente. Acho que tudo isso mostra um avanço enorme no sistema de transporte. A frota evoluiu também. Hoje temos os modelos elétricos e estamos vendo outras tecnologias para avaliar. Em todas as empresas do grupo, a gente faz pesquisas com o cliente. E discutimos sobre as pesquisas, avaliamos o que precisamos melhorar.
A gente vê que pequenas coisas vão fazendo a diferença, como o cuidado com a limpeza, o ar-condicionado, o wi-fi. O passageiro sente que estamos evoluindo. No BRT Sorocaba, existe uma TV nos ônibus passando informações da próxima parada. Tudo isso vai mostrando o cuidado que a gente tem com o nosso cliente. E o desafio é ele entender que é nossa prioridade, porque não vivemos sem o passageiro.
TECHNIBUS – E quais são as principais dificuldades que o transporte público enfrenta atualmente?
Niege Chaves – O transporte público enfrenta muita concorrência, como o Uber, o táxi, que são complementares à viagem de ônibus e são opções para quem quer pagar mais. Já o mototáxi, sou super contra. É um transporte que traz risco de vida, que aumenta o custo da saúde pública, a exposição das pessoas e os engarrafamentos. Eu acho que o setor evoluiu muito, mas tem ainda muito o que evoluir.
A gente tem discutido bastante a ampliação das integrações, um novo modelo de remuneração. A tarifa zero precisa ser mais estudada, porque mobilidade é uma questão de toda a sociedade. Não é só de quem usa o transporte público, porque vai fazer diferença no trânsito e na qualidade de vida até para os que não usam. É muito importante que se dê prioridade para o transporte coletivo. O nosso negócio é coletivo.
Por isso, a gente tem que conectar, juntar as pontas, agregar. Precisamos reconhecer que sozinho ninguém faz nada. Então tem um ônibus grande, tem o carro pequeno, tem o metrô. Nesse sentido, acho que o sistema de VLP (Veículo Leve sobre Pneus) é uma tendência como transporte complementar, pois não é um transporte de massa, mas tem que ser mais discutido.
A mobilidade é uma questão federal. Acho que o Brasil precisa dessa evolução que virá com o marco regulatório. Eu sou otimista em tudo e tenho certeza de que a gente vai evoluir cada vez mais, não desisto. Precisamos também discutir a questão dos subsídios. Não podemos deixar o transporte público ficar na situação que chegou, sob risco de as cidades pararem. Depois da pandemia, que foi a maior crise da vida da gente, não vemos medidas estruturais para resolver esses problemas.
Há medidas pontuais em cidades como Goiânia, mas falta uma política pública nacional para a mobilidade. Nos próximos dez anos, quero me dedicar a todas essas questões importantes para o setor. Devemos nos tornar empresas de mobilidade, integradas com outros modais.

TECHNIBUS – No que se refere à frota, a MobiBrasil vai testar modelos movidos a biometano? Ou o foco serão os ônibus elétricos?
Niege Chaves – A gente vai fazer todos os testes. Acho que não existe uma única solução, não acho que tem um modelo perfeito. Depende do tipo de corredor, do sistema viário, da capacidade financeira da cidade, da disponibilidade do biometano. Devemos ter todas as alternativas. Nós vamos testar todos, mas a gente não quer ser pioneiro, porque tivemos uma experiência muito ruim no teste do ônibus a etanol.
Foi superlegal a experiência que a gente teve na Suécia junto com a Scania, de ter trazido os 50 primeiros para São Paulo. Fazia muito sentido, já que o país é um grande produtor de cana, mas existem outras complexidades do mercado internacional e do nacional em relação ao açúcar. Há muita variação de preço, isso complica o nosso negócio.
Então, houve mudança política e o projeto mudou. O novo prefeito já não queria mais etanol. E aí ficou um projeto pequeno de 50 ônibus, e é necessário ter escala tanto para a indústria quanto para as empresas operadoras, porque senão não funciona. O que são 50 ônibus em um universo de 13 mil que circulam em São Paulo?
Eram os veículos que mais quebravam, que mais tinham reclamação na SPTrans. Então, assumimos os prejuízos e trocamos por ônibus novos a diesel. Precisamos fazer algo que tenha relevância, como, por exemplo, os modelos elétricos. Deve haver cerca de 600 ônibus elétricos em São Paulo, e acho que em mais um ano devemos ter mais de mil elétricos rodando na cidade.
Claro que isso tem de ser feito de forma cuidadosa, de forma planejada, para que não tenha nenhum impacto negativo na continuidade da operação. São Paulo hoje vive um problema grave. A frota de São Paulo nunca foi tão velha. Considerando os últimos 20 anos, tem mais de três mil ônibus vencidos. Porque tomou-se a decisão de ir para o elétrico sem ter a estrutura para isso.
A indústria tem capacidade de entrega, há energia para comprarmos, mas a distribuição ainda é falha. A decisão de proibir a compra de ônibus a diesel foi precipitada. Mas ainda dá tempo de corrigir, de permitir uma quantidade de ônibus Euro 6, que polui bem menos que o Euro 5. Ainda existem modelos Euro 4 rodando em São Paulo! E se o biometano realmente funcionar, esses modelos Euro 6 poderão rodar com ele. Seria necessário só trocar o motor.
TECHNIBUS – E a questão do seu engajamento para haver uma maior participação de mulheres no setor?
Niege Chaves – Eu sempre repito que, quando comecei a trabalhar com transporte, havia poucas mulheres no setor e procurei descobrir onde havia empresárias e profissionais de ônibus para entrar em contato com elas e para aprender mais sobre a atuação dessas mulheres. Comecei a ver que a maioria estava no administrativo ou no financeiro.
Eu já gostava da operação, não de ficar no escritório. Gostava de conversar com o pessoal do sindicato, de fazer as negociações. E, com o tempo, começaram a surgir mulheres nas áreas operacionais, de manutenção. Acho que não é uma questão de gênero, mas de fazer o que a pessoa gosta e tem vocação. Sendo um pouco subjetiva, acredito que a mulher é mais cuidadosa, tem mais paciência de ouvir e conversar, até pelo instinto materno.
E acredito que estamos em um momento de o sistema de transporte se reinventar. Sempre tive muita vontade de aproximar essas mulheres que atuam no setor. E encontrei a Luciana Herszkowicz e promovemos o primeiro encontro “Elas no Transporte”, que foi um sucesso. Vieram mulheres do Brasil todo. A MobiBrasil está de portas abertas para receber as mulheres que quiserem fazer estágio, que quiserem trocar experiências.
Vamos colocar mais mulheres no setor. E temos que atrair as novas gerações de empresários, para utilizar as novas tecnologias e as inovações que surgem todos os dias. Já tenho 30% de motoristas mulheres na MobiBrasil e minha meta, até o final do ano, é chegar a 35%, quero crescer cinco pontos percentuais. Ou seja, preciso colocar 140 mulheres motoristas por ano. É um desafio grande, mas estamos dando conta. A falta de motoristas é um grande problema para o transporte, e também queremos investir em formação.
TECHNIBUS – E quanto à tecnologia? Você sempre foi uma entusiasta da inovação?
Niege Chaves – A tecnologia é uma paixão antiga minha. A gente começou com a Cittati e depois vendemos a Cittati, ficando com o Cittamobi. Criamos a Primova, que investe em startups voltadas para mobilidade. Na verdade, a questão da tecnologia permeia o grupo todo, eu e minhas irmãs fazemos todo ano um planejamento estratégico.
Temos outros negócios, mas o nosso core é transporte público e mobilidade. Olhamos o ônibus, mas também o metrô, barca, a gente olha a mobilidade de forma ampla. A gente tem outro braço, que é de infraestrutura. Construímos corredores e cuidamos da manutenção, como é o caso do BRT de Sorocaba, dos terminais da zona leste de São Paulo, da Lapa, da MobiBrasil do Recife.
E o outro braço é de tecnologia, porque a tecnologia conecta tudo isso. A gente está investindo em formas de pagamento integrado com empresas de bilhetagem eletrônica, em pagamento através do celular. Temos o Cittamobi, que tem grande presença em Salvador e no Recife. O grupo trabalha com esses três eixos. Estamos em um processo de melhoria contínua e a tecnologia tem nos ajudado bastante nisso, com câmeras, GPS, telemetria, acesso direto ao CAN, canal de relacionamento com o cliente pelo Chatbot.
A gente tem tudo isso e testamos também muitos produtos. Alguns deles são desenvolvidos dentro da Primova e outros por meio de parcerias externas. Neste segundo semestre, em agosto, lançaremos um produto de alta tecnologia, de inteligência artificial (IA), que será revolucionário nas garagens e vai ser bem focado nas empresas privadas para a manutenção e melhoria da operação. Vai ser um app, e iremos conseguir contribuir com esse produto novo no mercado. Ele vai reduzir a quebra de ônibus nas ruas, com foco na manutenção preditiva e totalmente baseado em IA.